Raymundo Barros, CTO da Globo, e Leonora Bardini, diretora executiva da TV Globo, em debate no evento Voices 2025 — Foto: Gustavo Cunha/Agência O Globo
Imagine só: por meio do controle remoto, além de pausar, voltar ou adiantar o que se assiste na TV, o espectador pode compartilhar — através do próprio aparelho — trechos de determinadas cenas, em tempo real, com outras pessoas. E mais. Também pela televisão, tem-se, veja bem, a possibilidade de realizar compras de produtos que aparecem na tela (não só em anúncios, mas em novelas, filmes e séries), receber alertas da defesa civil, participar de votações em programas interativos como o BBB - Big Brother Brasil, escolher ângulos variados para acompanhar um jogo de futebol... E por aí vai. Nada disso é invencionice de ficção científica, como reforçam Raymundo Barros, CTO da Globo, e Leonora Bardini, diretora executiva da TV Globo. Os profissionais discorreram sobre o tema e adiantaram detalhes desta novidade em mesa sobre a TV do futuro, no evento Voices 2025, nesta quarta-feira (10), no MAR - Museu de Arte do Rio, na capital fluminense.
Popularmente chamada de "TV 3.0", a novíssima DTV+, que foi oficialmente regulamentada há quatro meses e chegará ao mercado nacional a partir de junho de 2026, provocará uma revolução na maneira como se produz e se consome televisão no país. Está aí um ponto de inflexão — algo inevitável, como ressaltam os especialistas — no mercado midiático no país. Tópico central no abrangente debate sobre tecnologia e inovação, o assunto foi perscrutado no Voices, uma iniciativa da Editora Globo e do Sistema Globo de Rádio, com patrocínio da Prefeitura do Rio e Secretaria Municipal de Educação, apoio da Zapt, patrocínio trilha por Claro Empresas e Insper e parceria da Play9.
Neste futuro que já se apresenta à vista — e que será descortinado, enfim, durante a transmissão da Copa do Mundo de 2026 —, a televisão se constituirá como veículo de total integração digital, com canais que funcionarão, a rigor, como aplicativos com navegação semelhante à que se vê em computadores e celulares. A interação será explorada ao máximo na tela.
— A transformação trará uma ampliação da qualidade, é claro: passaremos do HD para o 4K e o 8K; as cores estarão muito mais próximas da capacidade humana de percepção; o áudio se tornará mais imersivo... Mas esta não é a grande mudança. A grande alteração proposta pela DTV+ tem a ver com a digitalização do relacionamento de uma empresa de TV aberta com o consumidor e o mercado publicitário — adianta Raymundo Barros. — Passaremos a ter um novo conhecimento sobre o consumidor e, com isso, a possibilidade de criar ofertas individualizadas, algo que nunca houve na TV aberta.
A rigor, o aparelho de televisão oferecerá uma curadoria detalhada de atrações para cada espectador, em modelo parecido ao que já se vê em determinadas plataformas de streaming. Com base no que cada usuário consome, uma programação altamente customizada passará a ser apresentada de acordo com as preferências de cada usuário.
Em outras palavras, a grade de TV não será mais a mesma para ninguém. Exemplos: um espectador que torce para um time de futebol receberá alertas (ou push notifications, como se diz) sobre jogos de seu clube; quem acompanha uma novela será avisado, enquanto vê outro programa, sobre o início de mais um capítulo ao vivo, para que escolha se abrirá uma nova janela (ou não) para ver o folhetim.
— Ao invés de programar um roteiro ou uma grade, a gente passará a montar experiências para grupos específicos a partir de seus hábitos e gostos. Nessa parte, a tecnologia tem um papel fundamental, porque este processo é altamente dinâmico — esmiúça Leonora Bardini. — Será uma relação mais íntima entre a TV e os espectadores, com diferentes interfaces para cada um. Um torcedor do Vitória, por exemplo, ao assistir à transmissão de uma partida de seu time, poderá escolher ouvir o áudio da arquibancada de seu clube, acompanhar o jogo sendo narrado por um locutor local... Assim, a gente traz camadas de individualidade, personalização e profundidade na relação com o usuário.
Novos caminhos possíveis das tecnologias foram apresentados, ao longo do Voices 2025, em palestras com grandes nomes associados a áreas de inovação, entre os quais a apresentadora Fátima Bernardes, o engenheiro de software Orkut Büyükkökten, o designer Oskar Metsavaht e a influenciadora digital Blô Barbosa.
Não à toa, "inteligência artificial" (ou IA, para os íntimos) foi um termo pronunciado à exaustão em todas as mesas. A ferramenta, a bem da verdade, deixou de ser uma abstração técnica e passou a operar como uma força de ruptura visível dentro de quaisquer empresas. Na análise do professor André Filipe Batista, do Insper — que também participou do evento —, há em curso atualmente uma "mudança na forma de trabalho" causada por uma radical transformação de paradigma. Segundo dados compilados pelo profissional, 72% das empresas já utilizam IA generativa em suas rotinas.
André Filipe Batista, professor do Insper — Foto: Daniel Pinheiro/Época NEGÓCIOS
Na TV Globo, há profissionais especificamente destacados para a pesquisa de inteligência artificial. Impossível ignorar esse campo, como reforçam os executivos da empresa. Na semana passada, o IA Content Lab da emissora, como o departamento é chamado, lançou — apenas internamente — uma produção de 30 minutos inteiramente rodada com o recurso tecnológico. Dos atores aos cenários, nada é real na pequena obra audiovisual. A narrativa, vale frisar, não será disponibilizada ao público, já que serviu apenas como indicador de resultado de pesquisas, que seguem a mil.
— Todos os talentos dessa produção são avatares. A história acompanha uma garotinha, em São Paulo, que adoece e encontra dois gatinhos de rua. E, olha só, quando essa menina foi criada, a gente teve muita dificuldade para que ela se parecesse com uma brasileira — repassou o CTO da Globo, Raymundo Barros, aos risos. — Não havia nada que a gente conseguisse fazer para que ela se parecesse uma brasileirinha... Sempre vinha uma menina com cara de indiana.
— E deixa eu colocar outro parênteses aqui — acrescentou Leonora Bardini, diretora executiva da emissora. — Um dos gatos, na história, tinha uma pinta. E, a cada hora que a gente rodava a inteligência artificial, a pintinha aparecia num lugar diferente do gato.
Mais do que criar propriamente um produto por meio de inteligência artificial, a experiência possibilitou que os profissionais entendessem, cara a cara, "a velocidade com que essa tecnologia vem evoluindo", como destaca Raymundo. A emissora, ele esclarece, não colocará no ar nenhuma produção feita com IA, pelo menos por ora.
— A inteligência artificial está evoluindo, e a gente hoje está em domínio desse processo criativo. Não vamos colocar humanos sintéticos no ar, não num horizonte visível. Mas, por outro lado, todas essas ferramentas vêm sendo utilizadas no dia a dia da novela — ele afirma, citando o exemplo de uma cena recente na novela "Dona de mim", que apresentou um bebê dentro de uma caixa de papelão fechada (a criança, no caso, era uma imagem gerada artificialmente). — Não dá mais para colocar um bebê real dentro de uma caixa de papelão, né?
Há outros casos exemplares: numa novela ou série, quando há um incêndio na trama, o cenário realmente pega fogo, e a emissora mobiliza um entourage para garantir que a sequência seja feita com total segurança. A prática, agora, vem sendo adaptada.
— Recentemente, nós fizemos uma cena de incêndio totalmente com inteligência artificial (na novela "Êta mundo melhor!"), e o resultado foi um espetáculo. E mais. Foi um centésimo do custo se tivesse sido feita pelo processo tradicional — revela Raymundo. — Então, tem uma aprendizagem que a gente vem integrando dentro do nosso ambiente de produção de conteúdo em escala.
Mas nem tudo são flores em se tratando de inteligência artificial. Apesar de celebrar (e engrossar) o movimento de espectadores que atuam como co-criadores de sucessos televisivos — vide o atual fenômeno do casal "Loquinha", shipp para Lorena (Alanis Guillen) e Juquinha (Gabi Medvedovsky) na novela "Três graças", que inspira um sem-número de vídeos nas redes sociais, com versões dubladas até em países da Ásia —, a emissora inclui hoje entre suas obrigações um monitoramento constante do ambiente digital para enfrentar a desinformação.
Fátima Bernardes participa do evento Voices 2025 — Foto: Márcio Alves/Agência O Globo
Jornalista e apresentadora que, há pouco mais de uma década, empreendeu uma guinada na carreira a fim de se firmar como figura do universo do entretenimento, Fátima Bernardes lamenta que, dia sim, dia também, encontre pelo menos uma versão falsa de si mesma na internet.
Em conversa mediada pela jornalista Renata Izaal, a profissional — que hoje mantém um canal no YouTube — discorreu acerca dos desafios da atuação no campo arenoso da web, "lugar em que três segundos é uma eternidade", como ela brinca.
— Há diferentes linguagens a serem exploradas no ambiente on-line, e estar com uma equipe de jovens me oxigena demais — comentou Fátima, sem deixar de citar os reveses decorrentes da difusão da IA. — Olha, o que encontro de "Fátimas falsas" por aí... Não sou nutricionista, não sou ginecologista, não sou médica. Mas o que eu receito de remédio, fórmula para emagrecer e produtos de beleza, não é brincadeira. Antes, pegavam uma foto minha e a colocavam indevidamente ao lado de um produto. Agora é tudo com inteligência artificial. Já aconteceu de eu ser abordada na rua por gente que falou que comprou tal remédio porque me viu indicando. E não, não sou eu!
O Voices é uma iniciativa da Editora Globo e do Sistema Globo de Rádio, com patrocínio da Prefeitura do Rio e Secretaria Municipal de Educação, apoio da Zapt, patrocínio das trilhas por Claro Empresas e Insper e parceria da Play9.


